A resiliência e o Mal-estar na civilização

por Taís R Carvalho Pinto

 

A resiliência é um conceito da física empregado para designar a capacidade de resistência de um material, ou seja, de retornar ao estado original após sofrer diferentes pressões. Esse conceito tem sido empregado também na área da saúde, para explicar a capacidade que algumas pessoas têm de se recuperar das adversidades da vida com mais facilidade que outras.

 

Em seu artigo “Projeto para uma psicologia científica” (1895), Freud explica que “o recalcamento é invariavelmente aplicado
a ideias que despertam no ego um afeto penoso de desprazer”. Sendo assim, conforme vivemos situações aflitivas, nosso aparelho mental se mobiliza na tentativa de se autoproteger, utilizando para isso um recurso interno denominado mecanismo de defesa de afastamento/esquecimento da experiência penosa.

No artigo “A interpretação dos sonhos” (1900), Freud segue explicando que “as atividades do aparelho psíquico são reguladas pelo esforço de evitar um acúmulo de excitação e de se manter, tanto quanto possível, sem excitação”, e que, “o acúmulo de excitação é vivido como desprazer, e coloca o aparelho em ação com vistas a repetir a vivência de satisfação, que envolveu um decréscimo de excitação e foi sentida como prazer”.

Podemos pensar então, em um aparelho mental com um funcionamento autoprotetor, que daria condições à pessoa, diante das experiências desagradáveis da vida, de sobreviver sem grandes danos emocionais. Assim como nosso sistema imune reage a um agente agressor (vírus, bactéria, fungo ou trauma físico) protegendo o corpo, o aparelho mental faria sua função diante de experiências emocionais traumáticas.

Existem traumas mais ou menos intensos, que dependem da percepção intrapsíquica, e não somente se relacionam com o evento externo. Dentre eles podemos destacar: o nascimento (nosso ou de irmãos), a descoberta da sexualidade pela criança, as mudanças corporais da adolescência, a separação dos pais, a perda de um ente querido, perda do emprego ou algo importante para a pessoa, a impotência diante de algumas situações, a velhice, além da violência psicológica ou física, acidentes e catástrofes. Cada um reagirá a esses eventos de forma distinta, conforme a capacidade do psiquismo de deter o evento traumático, ou seja, conforme sua capacidade de resiliência.

A vida é árida, repleta de sofrimentos, decepções, perdas e experiências desagradáveis.

Soma-se a tudo isso o processo civilizatório, que impõe ao homem regras de comportamento e de controle de impulsos instintuais à serviço de seus ideais culturais. É claro que para viver em sociedade o homem é obrigado a domar seus instintos agressivos e sexuais, mas é sabido que o custo é alto, e que “uma pessoa se torna neurótica porque não pode tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe” (O mal-estar na civilização -1930).

Mas, se o propósito da vida é a busca da felicidade, e a definição de felicidade para a psicanálise é a obtenção de prazer, o processo civilizatório estaria em oposição à nossa busca de prazer. Porém, curiosamente, só temos a percepção de um prazer intenso através da vivência de seu contraste, o desprazer.

A estratégia criada pelo homem é se sentir feliz com o fato de ter sobrevivido ao sofrimento ou à infelicidade, e não de buscar o prazer como primeira alternativa. É parecido com o que “pensamos inconscientemente” quando nos deparamos com um acidente de trânsito: “Ainda bem que não foi comigo!”.

Freud resume a nossa busca incessante por felicidade num mundo que não nos permite a vivência de felicidade dizendo: “Todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo”, e para isso, cada um utilizará a sua capacidade de resiliência.

A percepção do funcionamento resiliente de uma pessoa pode ser observada ao longo do processo psicanalítico, quando circunstâncias desaforáveis surgem e mostram a capacidade ou incapacidade de sobreviver àquele evento, e é também observada no próprio processo de análise, composto pela dualidade dor X prazer do crescimento emocional.

 

Referências Bibliográficas:

 

  • Freud, S. (1895).  Projeto para uma psicologia científica. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, volume I. Rio de Janeiro – Editora Imago (3ª edição).
  • Freud, S. (1900). A interpretação dos sonhos. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, volume IV. Rio de Janeiro – Editora Imago (3ª edição).
  • Freud, S. (1930). O mal-estar na civilização. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, volume XXI. Rio de Janeiro – Editora Imago (3ª edição).